Respostas do MPT à CPI da Violação de Direitos
Seguem abaixo as informações prestadas pelo procurador do Trabalho Tiago Ranieri de Oliveira à Agência Assembleia de Notícias, que preparou uma matéria sobre a CPI da Violação dos Direitos da Criança, com ênfase sobre a exploração do trabalho infantil em Goiás.
Atualmente, que municípios goianos figuram o ranking brasileiro dos piores no quesito exploração do trabalho infantil? Na sua opinião, a que fatores se deve essa situação?
Águas Lindas de Goiás; Anápolis; Aparecida de Goiânia; Caldas Novas; Catalão; Cidade Ocidental; Cristalina; Formosa; Goianésia; Goiânia; Goiatuba; Inhumas; Itaberaí; Itumbiara; Jaraguá; Jatai; Luziânia; Minaçu; Mineiros; Morrinhos; Niquelândia; Novo Gama; Padre Bernardo; Planaltina; Quirinópolis; Rio Verde; Santo Antônio do Descoberto; São João D’Aliança; Senador Canedo; Trindade; Uruaçu; Valparaíso de Goiás. Qual o critério utilizado na elaboração do ranking? Os municípios com alta incidência de trabalho infantil, ou seja, que apresentaram mais de 400 casos de trabalho infantil, ou que tiveram um aumento de 200 casos entre o Censo IBGE de 2000 e o de 2010. O principal fator para essa situação é a carência/insuficiência de políticas públicas estaduais e municipais específicas para o combate ao trabalho infantil, tais como: falta articulação intersetorial e qualificação quanto à temática da rede de proteção da criança e do adolescente; falta de educação pública integral e de qualidade; falta de oferta de qualificação profissional no âmbito dos municípios; falta de fiscalização das condicionalidades dos serviços socioassistenciais, tais como Bolsa Família, serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, dentre outros.
No estado todo, qual a quantidade estimada de crianças e adolescentes que trabalham fora dos casos permitidos em lei? Quais os principais segmentos que exploram essa mão de obra irregular?
No estado de Goiás, há aproximadamente 45.974 crianças e adolescentes na faixa etária de 10/15 anos de idade em situação de trabalho irregular e proibido. Obviamente que o número de crianças e adolescentes ligados ao tráfico de drogas, exploração sexual comercial e outras atividades ilícitas não estão computadas no total – número esse que estimamos ser bastante considerável. As principais atividades empregadoras são: Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (5763 crianças e adolescentes); Indústrias de Transformação (5238 crianças e adolescentes); Construção (2208 crianças e adolescentes); Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (12053 crianças e adolescentes); Alojamento e alimentação (2690 crianças e adolescentes); Serviços domésticos (4350 crianças e adolescentes); Atividades de água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação (188 crianças e adolescentes); Outras atividades (13484 crianças e adolescentes).
Que medidas do MPT-GO estão em curso para reduzir esse problema?
Além da atuação contra as denúncias individuais de trabalho infantil por meio da investigação, via Inquérito Civil, das empresas empregadoras, com a consequente assinatura de Termos de Ajuste de Conduta (TAC) ou ajuizamento de Ações Civis Públicas (ACP), o MPT em Goiás desenvolve três projetos nacionais:
a. Projeto Políticas Públicas de Combate ao Trabalho Infantil: visa a fiscalizar e cobrar políticas públicas de combate ao trabalho infantil naqueles municípios goianos que detêm os piores índices. Tal projeto tem como escopo a assinatura de TAC com o município, prevendo obrigações de fazer e não fazer voltadas para prevenção e repressão ao trabalho infantil. Os municípios de Quirinópolis, Goianésia, Aruanã e Cavalcante já firmaram esse compromisso;
b. MPT na Escola: tem por finalidade capacitar toda a rede de educação municipal para ministrar o tema (combate ao trabalho infantil) em sala de aula, com o intuito de desconstruir mitos sobre o trabalho infantil na mente da criança, da família e da sociedade. Tal tema é inserido na grade de ensino regular. O projeto já está na quarta edição em Goiás, com mais de 70 municípios participando;
c. Projeto Aprendizagem: tem por finalidade determinar o cumprimento da cota de aprendizes por todas as empresas que têm a obrigação legal de contratá-los. A aprendizagem é um dos principais instrumentos de combate ao trabalho infantil, uma vez que insere o adolescente, a partir de 14 anos de idade, na qualificação profissional, com emprego formal, seguro e garantido, mantendo-o na escola. No dia 6 de maio deste ano, 31 usinas de álcool do estado participarão de um ato público na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região com a finalidade de cumprirem a cota.
Pode contar algum caso específico que o surpreendeu ou emocionou durante a atividade profissional? (Pode ser, por exemplo, sobre condições subumanas em que crianças foram encontradas, sobre a punição a "empregadores" ou sobre a superação de crianças/adolescentes depois de libertos)
Diversos são os casos me surpreenderam. As condições em que são encontradas as crianças e os adolescentes são degradantes e desumanas. E o pior de tudo é que tal situação é invisível para a sociedade! Ela prefere acreditar que é melhor que eles estejam ali do que no mundo das drogas ou no crime, como se só existissem essas duas alternativas para o filho do pobre. Poucos são os que têm consciência de que temos de demandar e cobrar por melhores escolas, melhor qualidade de ensino, mais qualificação e profissionalização, e não TRABALHO. O trabalho que dignifica o homem é aquele que acontece na hora/idade certas, munido de qualificação; fora desse binômio, o que temos é exploração, é o capital e o lucro acima do ser humano, em especial do ser humano em desenvolvimento, como são a criança e o adolescente. Posso citar como exemplos a situação encontrada no Ceasa de Goiânia e de Anápolis, em que crianças e adolescentes desempenhavam a função de movimentador de mercadoria, transportando cargas 10 vezes superior ao próprio peso; a situação encontrada em Santa Bárbara de Goiás, na qual atletas mirins de futebol eram mantidos num alojamento em condições degradantes, com falsas promessas de contratos; dentre outros casos individuais de crianças e adolescentes trabalhando em borracharias, oficinas, lava jatos, fazendas, envolvidos em atividades periculosas, penosas e insalubres. Há, também, vários exemplos de superação por meio da inserção de adolescentes resgatados na aprendizagem. A título de exemplo, cito casos em Rio Verde, onde adolescentes estão no IAM, em parceria com o MPT, projetos como o da fundação Alphaville, em Senador Canedo; Projetos como o “Jovem do Futuro”, em Quirinópolis, dentre outros.
Que ações os poderes executivo e judiciário precisam desenvolver para a superação dessa realidade em Goiás?
Cada Poder tem de ter a consciência e a responsabilidade de saber que a criança e o adolescente são prioridade na nossa sociedade. Os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral preconizados pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988 não são letra morta ou em vão, e devem ser cumpridos e implementados. O Poder Executivo, no momento de planejar e administrar suas rubricas de orçamento, bem como fiscalizar o desenvolvimento dos atos de gestão no âmbito de seus órgãos. O Poder Judiciário, no momento de aplicar as leis e julgar os casos individuais ou levados coletivamente pelo Ministério Público, pois muitas vezes a utilização do trabalho infantil ainda “compensa” para o empregador, considerando as poucas condenações existentes. A pena deve ser pedagógica, de forma a inibir novas condutas do empregador ou de outras empresas. E todos devem articular-se setorialmente e intersetorialmente, de forma a fortalecer o sistema de garantias de direitos.
Como o senhor avalia a atuação da CPI da Violação dos Direitos das Crianças no que tange ao combate do trabalho infantil?
A atuação da CPI é de extrema importância, pois demonstra a preocupação do Poder Legislativo não apenas no seu papel legiferante, mas também no seu papel fiscalizador, e todos sabemos que um completa o outro. A capilaridade do Poder Legislativo é instrumento imprescindível para mudança da mentalidade da sociedade, pois se os representantes da sociedade têm consciência do quão grave é o problema do trabalho infantil, muito pode ser feito, principalmente quando somado a outros órgãos que defendem e carregam a mesma bandeira de proteção.
Tiago Ranieri de Oliveira
Procurador do Trabalho / Vice Coordenador Nacional da Coordenadoria de combate à Exploração do trabalho de Crianças e Adolescentes (COORDINFANICA/MPT);